À caixa central.

A noite já se tinha instalado ao frio, estava ela a acabar de percorrer o penúltimo corredor daquele supermercado – museu fantasma de emoções, cemitério de essencialidades.

Ia indo, absorvida pelos pensamentos que por ali viajavam à velocidade da luz, soltos de quaisquer prateleiras em que os sentimentos se pudessem exibir direitinhos, em fila e com preço de venda ao público.

Tudo fosse tão transparente como ir às compras – pensou.

Ao virar a esquina ali estava ele, parado ao pé de uma das caixas, alheado de tudo o que lhe pudesse distrair o ser; perdido no meio de tanto barulho mas de tão pouca substância.

Encostado ao carrinho com o olhar perdido num vácuo de vida.
Uma garrafa na mão e o tapete já cheio de coisas perecíveis – contraste imenso com aquele brilho imortal que lhe irradiava dos olhos.

E ela, desprevenida, chocou com o impacto, permitiu às pernas o abalo, e deixou escapar o cambaleante mas suspirado pasmo.

Foi assim perdida, ainda a recuperar o respirar, que ouviu o altifalante gritar com timbre de urgência:
«Coração chamado à razão. ASAP».

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