Lá fora chove. Cá dentro, também.

Está a chover.

Aquela chuva pesada, consistente – um bordado caótico mas coerente de gotas redondas e cheias.

Cai a rodos, fria, límpida, pura – para logo se desfazer, consciente do seu destino, uma espécie de ataque suicida assumido.

Choves-me em cima com a persistência que te falta em dias de sol, ainda que ao contrário das gotas, não morras, antes te instales.

Crias demasiadas poças de água que se alojam em veias feitas ruelas, demasiado estreitas para um razoável escoar.

Sobra o coração, albergue favorito dos restos que de contrário se perderiam à deriva por aí.

Contentor de lixo tóxico que em silêncio me contamina o ser – a mim que de forma algo incauta me deixo contaminar.

Não fosse esse som, harmonioso como uma orquestra que houvesse sido contratada exclusivamente para me embalar.

E o cheiro, de uma frescura inigualável, abraça-me em segundos e cola-se de imediato à pele.
Não se lava, antes teima em persistir horas depois de parar de cair.

E eu, deliciada, respiro esta chuva de ti que me invade os campos da alma.
E constato isso mesmo, que as contaminações do coração mais não são do que fertilizante que a purificam - à alma. 

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