Territorialidades.

Apesar do toque kitsch, não conseguia deixar de achar piada quando ouvia alguém dizer que ia à terra.

Pequena, estranhava – era fascinante pensar que alguém pudesse viver em algum lado que não na terra – talvez no ar (?!).

À medida que os anos passaram, percebeu que as pessoas gostam de falar por códigos.
Há pessoas para quem uma coisa nunca é uma coisa.
E há coisas em que assim é - coisas que são o conjunto infinito de coisas que alguém pode querer ver numa única coisa.
Outras, pelo contrário, serão sempre e apenas só isso – coisas.

Ir à terra é o desejo de voltar às origens.
Como se essas não estivessem entranhadas em cada um, antes espalhadas em lotes de terra unanimemente delimitados.
Logo elas, que cedo nos agarram pelo umbigo, lembrança persistente de que dividir é somar.

Embora ela não tivesse uma “terra”, dessas de que ouvia falar, a verdade, concluiu, é que não há quem não tenha terra.

Um pedaço de mundo a que chame seu.
Onde saiba andar de olhos fechados, guiado por inabaláveis esperanças.
Onde abra a dor às memórias e solte o sentir ao esquecer.
Onde teça histórias com um simples olhar.
Onde se largue à saudade sem medo de ruir.
Um lugar onde mesmo sem querer persistem lamúrias e gargalhadas em inusitada harmonia.

O mundo é esse espaço onde nos podemos construir em velocidade cruzeiro.
Porque a viagem é o destino, e o destino é quem nos traça a viagem.

Ir à terra é voltar a casa, e casa é o sítio onde guardamos o coração, como se este se pudesse guardar, e não apenas perder.
Logo ele, que tantas vezes se perde, de mãos dadas com a cabeça.
Não de nós, mas do mundo.

Casa é aqui e ali, é esta e aquela pessoa.
Casa é um sorriso mais aberto, um olhar mais demorado, um livro mais arrebatador.

Casa é esse sítio maior, esse sítio tão nosso, esse sítio quente para onde queremos sempre voltar.



* «There's no place like Home» - Judy Garland as Dorothy in The wizard of Oz.
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