The heart is hard to translate, it has a language of its own, it talks in tongues and quiet sighs.*


É certo que comunicar vem tanto do silêncio como das palavras – as que se ouvem, as que se escrevem e as que se calam.
Até a mais solitária das almas precisa de comunicar.
Ainda ontem uma amiga mo dizia, quando acabou de ler Memórias de Adriano. Recebi uma mensagem a dizer que era um livro que exigia muito mas que tinha de reconhecer ter gostado, ter valido a pena (não é sempre assim?) e reproduzia, por isso, o último parágrafo: «almazinha, alma terna e flutuante, companheira do meu corpo, de que foste hóspede, vais descer àqueles lugares pálidos, duros de outrora. Contemplemos juntos, um instante ainda, as praias familiares, os objectos que certamente nunca mais veremos. Procuremos entrar na morte de olhos abertos».
Fala-se, escreve-se, ouve-se.
E quem ouve calado também cala. E os segredos só sobrevivem porque perpetuados nesse tanto que se cala.
Em Coração tão branco título retirado de uma cena de Macbeth – não é difícil ler tanto mais do que aquilo que está escrito.
Javier Marias presta culto à efemeridade e pinta palavras como ninguém.
Os pensamentos involuntários do narrador, Juan, prendem-nos sem dó aos nossos próprios passos. E é deliciosa a ironia que destila do facto de Juan, tradutor que conhece quatro idiomas, confessar, por diversas vezes durante a narração, que lhe faltam palavras para traduzir algumas coisas para a sua língua nativa. É impossível não desconfiar que talvez o que lhe falte sejam apenas a familiaridade e o reconhecimento que nos traz por vezes o caminho do passado.
Como Juan reconhece, ao falar da sua recém mulher Luísa, «quanto mais corpórea e contínua, mais relegada e remota».
Dois excertos a reter: (i) «até as coisas mais indeléveis têm uma duração, como as que não deixam marca ou nem sequer acontecem» e (ii) «os minutos que vão chegando não só substituem como negam os que se foram».
E no fim de tudo, respira-se. Talvez porque nos vamos conseguindo entender, ainda que os idiomas que nos são queridos nem sempre nos permitam traduzir tudo o que vai cá dentro, mas, principalmente, por ser uma graça ter um coração que, a esta altura, não está já em branco.



* All this and heaven too - Florence + the machine.
** Sol Tróia.
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