Excursion into you.

Abri a porta sem bater, rasgando o silêncio com um sonoro chiar, culpa da dobradiça sem óleo que rodopiava com a elegância de uma bailarina havia vários anos. Em frente, a janela, recortada em quadrados de 15 por 15, aberta de par em par, deixando entrar o suave vento de Setembro que traz na boca promessas douradas de Outono. Do tecto choviam umas cortinas de um tecido pesado – um bonito tom de verde, daquele de que se pintam as azeitonas quando o calor lhes diz adeus – a esconder da luz aquela nesga de parede que apenas por cerimónia não se queria mostrar. À direita, encostada à parede, a cama, desfeita num emaranhado de lençóis brancos preguiçosos que se deixaram enrolar naquela luz quente que só vai à praia ao fim do dia. As almofadas pelo chão, espalhadas ao acaso, uma espécie de campo de batalha que poderias ter montado para brincar aos soldadinhos, sendo que a guerra que travas é mais real do que outra que pudesses construir. À esquerda, perto da janela, um cadeirão castanho de pele roçada onde dormiam as tuas calças de ganga favoritas e aqueles cinco livros que teimavas em levar contigo para todo o lado, uma espécie de amuleto sem sentido, que não acreditas na sorte. A tocar baixinho, um som ténue que nos adoçava o ouvido, um velho rádio. A televisão permanecia ligada, mas sem som, que sempre me disseste que há palavras mudas que não gostam de pronúncias. E no meio de tudo, um epicentro de magnitude, sentado na borda da cama, como num precipício, virado para o mundo que pedinchava para entrar pela janela, tu, como num quadro de Hopper. Serenidade desenhada sem pudor. A fotografia mais viva que alguma vez tirei.




* Edward Hopper, Excursion into Philosophy, 1959.

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