Delusion criminal.

Eram 10h01 quando entrei na esquadra. Nem um minuto a mais, nem um minuto a menos. Sei-o por uma pequena sucessão de acontecimentos que então tiveram lugar. Olhei para o relógio amarelado que repousava na parede do fundo e ao mesmo tempo, como se me adivinhasse a dúvida, o locutor da rádio confirmava-o em voz alta. Cinco homens fardados, sentados, alheados de quaisquer urgências. Sempre era de manhã e o silêncio levava o seu tempo a acordar. Ainda que por dentro cambaleasse, a minha revolta tornava o meu passo decidido e com um tom de voz menos embargado do que a minha angústia disse sem olhar para nenhum dos homens em concreto:
- «Bom dia, quero reportar um roubo, por favor».
Indiferentes ao pânico que se me podia ler na cara, deixaram-se ficar e apenas quando comecei inquieta a bater com as unhas em cima do balcão é que um dos homens se levantou e perguntou secamente:
- «Quando foi a ocorrência? E o que é que foi roubado? Sabe que vai ter de preencher um formulário».
Em pleno combate com as lágrimas suicidas que teimavam em me saltar dos olhos respondi:
- «O meu coração, levaram-no esta noite».
Gargalhada geral que ecoou no silêncio.
- «Está a brincar?», perguntou um dos homens que estava sentado.
E eu, aflita, como se se pudesse brincar com uma coisa dessas respondi:
- «Eu? Não. Mas ele estava, e agora levou-me o coração».


«Código Penal - artigo 210.º (Roubo) 
1. Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.»


* Nono.
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