Vera.



É hoje, 14 dias de Outubro passados.

Saberias que assim era mesmo antes de piscares essas enormes pestanas pela primeira vez de manhã.
Todos os anos a mesma coisa, começavas a preparar-te quase um mês (inteirinho!) antes, com aquela alegria e entusiasmo que normalmente antecedem o Natal.
Sempre com esse sorriso mágico, aberto e genuíno, perguntavas, como quem não quer a coisa, com um ar docemente ingénuo pintado com um toque de malandrice, em que dia estávamos, não fossemos nós esquecê-lo.

Tu, que te fazia feliz dar, também sabias receber. Com o mesmo sorriso e a mesma boa vontade.
Era um gosto, sempre gostaste de partilhar, e a tua generosidade excedia sempre o meu egoísmo.

Também me batias aos pontos em desenvoltura.
Eras um mundo incontido de energia.
Ninguém te calava, que a tua voz sempre se teimou em fazer ouvir.
Não tinhas medo de nada nem de ninguém. Só talvez, quando eras mais nova, dos imaginários monstros que albergávamos debaixo da cama.
A pergunta era sempre a mesma, de Inverno ou verão, «Mãe, Pai, vão dormir com o braço de fora?»; «e tu?».
Não fosse alguém morder-nos.

Mas bastava dizer «ui», sentir uma mísera dor aqui ou ali que logo acudias à minha cabeceira, para de lá não mais sair, ainda que o sono, não raro, te traísse.
E eu, egoísta, que te deixei gemer sozinha naquela noite escura que jamais me suará da pele.
Embora eu não o consiga fazer, sei que me perdoaste.
Esquecias rápido qualquer discussão, e, ainda miúdas, tivémos algumas.

Ao contrário de mim sempre adormeceste rápido, em qualquer sítio.
Se pensar um bocadinho, e pelo menos a olho nu, constato que sempre fomos o dia e a noite, mas, verdade seja dita, era isso que nos fazia inteiras.

Tinhas a pele doce e uns olhos puros que sorriam como os do tio Francisco - que o mundo também nos roubou cedo (demais) – diz sempre a mãe.
As tuas mãos eram as mais macias que conhecia, pele de bebé, e conseguiam sempre albergar-me por inteiro.

Defendias-me sempre, ainda que não fosse preciso, e ainda que esse fosse o meu papel, já que sou a mais velha.
Mas, let's face it, a destemida sempre foste tu, e eu, atada, escondia-me atrás dessa tua força, pilar forte debaixo de um olhar suave como o mel.

Eras genuinamente bondosa e especialmente dada – ao contrário de mim, arisca confessa.
Eu bicho-do-mato, tu animal social.
Não havia ninguém que pudesse ficar indiferente aos teus encantos, e facilmente se percebe porquê.

Uma força da natureza. Provaste-o à leucemia, uns quantos anos antes.
Mesmo careca conseguias ser bonita. Só os enjoos te deitavam abaixo, e eu, sempre egoísta, sem nada perceber, chorava a saudade, e invejava a atenção da Mãe e do Pai.
Foste sempre o exemplo, coragem personificada. A irmã mais velha, apesar de teres nascido mais nova.

E quando eu, pequenina, pedia à Mãe para te pôr no «caixolito», era a brincar. Acredita.
Adoro-te mais do que alguma vez te disse. De paixão. Com amor.
Trocaria de bom grado esta vida pela tua, querida melhor irmã do mundo.

Hoje te digo, em modo alto, já que digo todos os dias, fazes-me falta. Mais do que o que posso dizer.
Principalmente de dia, quando o sol que tanto gostavas brilha lá no alto.

Fazes-me falta.
Principalmente de noite, quando as estrelas que colaste no tecto do teu quarto salpicam lá fora.

Fazes-me falta.
Principalmente na Primavera, named after you, pela leveza de espírito e sanidade emocional.

Fazes-me falta.
Principalmente no Inverno, quando dividíamos o sofá e me fazias festas na cabeça a pedido, ao som dos desenhos animados.

Fazes-me falta.
Principalmente quando acordo.
E quando me vou deitar.
Quando quero conversar.
Quando quero silenciar.
Quando quero fazer o que quer que seja.

Fazes-me falta.
Principalmente sempre.

E isso, sei-o, não vai mudar.
Hoje farias 27 anos.
Mas continuas com 18. Continuarás sempre (revoltante!).
Parabéns.



Passaram-se dolorosas e incontáveis horas, vazios minutos e desesperantes segundos desde que me deixaste assim, sozinha numa mina profunda de saudade.

E eu tenho frio, e medo, e estou cansada. Cansada de sentir a tua falta.

Tenho saudades. Muitas. Tantas. Imensas. Demasiadas.


Fazes-me falta. E farás sempre. Porque te adoro.


 







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