Mesmo nas casas
onde moram fantasmas mora sempre alguém. Nem sempre o frio é vazio de calor e
os fantasmas alimentam-se de amor.
A saudade enche uma casa de forma tão competente
quanto a esvazia.
Uma casa, uma
família. E uma família é uma casa. A home, not a house.
Numa casa moram
gritos, gargalhadas, choros convulsos, passos apressados, portas a ranger,
conversas em surdina, palavras em ricochete, tachos a bater, água a correr,
cheiros pelo ar, notícias boas e más, surpresas, incertezas e saudade, tristezas,
vapor, frio, calor, amor, muito amor.
As famílias
constroem casas como se de ninhos se tratassem. Antecipam tempestades e acorrem
a agoiros. Lambem feridas e remendam lapsos de alma.
Uma casa é uma vitrina onde
uma família expõe o seu resguardado coração.
Em casa mora
sempre alguém, ainda que se não veja ninguém. E depois há as visitas. As que nos visitam quando nos deixamos visitar, as que nos visitam sem pedir licença e aquelas a quem pedimos para nos visitar. Vidas intercaladas em modo pessoal e intransmissível.
Quando vou pela
primeira vez a casa de alguém sinto sempre aquele nervoso miudinho que antecipa
o abrir da porta, o momento em que a chave roda na fechadura e a minha
imaginação acelerada desenha em câmara lenta cenários hipotéticos com contornos
talvez demasiado familiares. Sinto aquelas cócegas de curiosidade como se fosse
entrar num museu e observar uma colecção que alguém juntou e estimou ao longo
do tempo, sendo que numa casa o que se colecciona são momentos de vida, emoções, pessoas.
Uma casa é
uma espécie de santuário construído com o amor dos dias e pintado com as
agruras das horas, onde, por isso, devemos entrar com respeito. Limpo os pés
para deixar lá fora todas as impurezas que pisando, me pisam; que me deixando, eu deixo.
Uma casa é
sempre um mundo, um mundo feito em jornadas contínuas de 7 dias sem nenhum para
descansar.
As casas têm
humores e feitios, os mesmos que os de que lá moram. Foi por isso que gostei de
entrar em tua casa. Inspirei o ar com curiosidade e logo a serenidade aqueceu o meu
coração - a curiosidade amainou de forma familiar. É assim quando nos sentimos bem.
Só te posso agradecer teres-me convidado a visitar-te.
Por vezes a
família dos outros consegue aquecer-nos como a nossa.
* Brufe, Terras de Bouro.