Quando for grande, quero ser como tu.


Sou uma medrosa, uma medricas; tenho parte de mim empenhada ao medo, ao susto, e àquela ansiedade que vem com a preocupação no geral.
Tu, por outro lado, és destemido, corajoso; sempre sereno e despreocupado. Atiras-te à vida da mesma maneira que ela se atira a ti, sem medo ou cerimónia. Ah, valente!
Maneiras de ser antagónicas e ainda assim tão compatíveis que me permitem assistir deliciada, orgulhosa e embevecida – não sem, admito, uma pontinha de inveja - a todas essas tuas proezas que são para mim fascinantes. Encanta-me essa tua familiaridade com a serenidade e a vida, essa que descontraidamente tratas por tu, sem quaisquer indícios de lhe conheceres o carácter efémero.
Se um dia tivermos filhos, Deus queira que sejam como tu, que herdem de ti essa coragem e afoiteza que tanto me encantam.
Se um dia tivermos filhos, gostava que os ensinasses a, como tu, não ter medo de nada. Gostava que os ensinasses a mergulhar, a aproveitar o mar com respeito mas sem medo das ondas. Gostava que os ensinasses a saltar de cabeça, sem chapões, de forma graciosa e sem que precisem de engolir um litro de água. [Atenta porém, que na piscina dos teus pais estás proibido de ensinar quem quer que seja a saltar lá de cima (Mesmo)].
Se um dia tivermos filhos, gostava que os ensinasses a conviver com aranhas e insectos, e a piedosamente matá-los a pedido daqueles para quem tal convivência não é absolutamente possível. 
Gostava que os ensinasses a andar de avião tranquilamente - sem Xanax – que, afinal, é o transporte mais seguro e a verdade é que o Xanax não funciona. Explica-lhes que uma viagem não tem de ser um sacrifício e que é péssima ideia ver o Mayday no National Geographic Channel. Aproveita e explica-lhes que um voo charter não é necessariamente pior ou mais perigoso e que não precisam de escárnio quando a senhora da agência de viagens o sugere. Gostava que os ensinasses a não ter medo de ir sentados ao pé da janela e a olhar lá para fora para sonhar nas nuvens e para não perder de vista que o Mundo é tanto mais do que aquilo que vemos desta perspetiva que nos vem dos pés assentes na terra. Gostava que os ensinasses a não entrar em paranóia com turbulência e a não caírem na tentação de analisar todos os barulhos do avião. Mas ainda que lhes consigas ensinar tudo isto, se um dia tivermos filhos, por favor ensina-lhes também o nosso ritual, para o podermos fazer todos juntos e eu acalmar esta superstição tão minha.
Se um dia tivermos filhos, gostava que os ensinasses a ouvir os barulhos que o Mundo faz, principalmente quando o sol se foi deitar e a lua se orgulha do seu esplendor, e a aceitá-los sem rodeios. Ajuda se lhes ensinares que as séries e os filmes são apenas isso, séries e filmes, ficção que nos deve distrair e entreter, e que ainda que existam vilões na vida real – que existem! - eles não andam sempre por aí. 
Se um dia tivermos filhos, gostava que lhes explicasses que não é preciso ter medo de cães que saltam, que normalmente só querem é brincar. Aproveita e ensina-os a acarinhar e tomar conta, e explica-lhes que é isso que os amigos fazem.
Se um dia tivermos filhos, gostava que lhes ensinasses que nem sempre o Mundo é seguro, mas que por vezes podem, com cuidado, experimentar os caminhos secundários da vida, sem que tenham necessariamente de se perder ou chegar a sítios indesejados. [Quanto a cortar caminho na A2 para Alcácer, não vou mudar de opinião] 
Se um dia tivermos filhos, gostava que lhes ensinasses que se deve experimentar tudo, sem deitar a língua de fora ou fazer cara de enjoados. Explica-lhes o quanto gostas de lulas, polvo, percebes e marisco em geral; que sabem a mar e que isso é bom. Eu prometo fazer o mesmo com as favas. 
Se um dia tivermos filhos, gostava que os ensinasses a andar de bicicleta sem ter medo de cair, porque sim, cair magoa, mas isso passa, e não há nada como andar a pedalar com o vento na cara. Gostava ainda que lhes ensinasses que se caírem se devem levantar, e que depois sim, podem chorar no abraço de alguém, sendo que o nosso estará sempre disponível.
Se um dia tivermos filhos, gostava que os ensinasses a não terem medo de andar em montanhas russas, que a vida é a que mais voltas tem e a viagem é sempre mágica. Explica-lhes que o frio na barriga que antecede a volta é sempre sinal de uma emoção forte e que isso geralmente significa que valeu a pena. Ensina-lhes que vale sempre a pena, e que a alma é grande o suficiente para albergar todos os nossos sonhos, mesmo aqueles que não ousamos contar.
Se um dia tivermos filhos, gostava que lhes explicasses que a ponte sobre o Tejo é segura e não vai cair, e que o barulho na faixa da esquerda é apenas um mal necessário. Aproveita e explica-lhes que o mesmo se passa com os passadiço do Colombo e que não devem ter medo de lá passar (aproveita e explica-lhes que as pessoas não mordem). 
Se um dia tivermos filhos, gostava que lhes ensinasses que não é preciso ter medo de palhaços ou homens estátua. Explica-lhes que são apenas pessoas com a cara pintada e uma roupa estranha e que, uma vez mais, séries e filmes são apenas isso mesmo. Se quiseres leva-os ao circo e conta-lhes sobre o dia em que me convenceste a ir e o quão especial foi esse dia.
Se um dia tivermos filhos, gostava que lhes ensinasses a não ter medo da bola, a correr sem medos e com garra, que o futebol é espectáculo. Aproveita e ensina-os a trabalhar em equipa, ainda que pensem por si próprios. Fala-lhes desta nossa convivência harmoniosa, encarnada e verde e deixa-os escolher a sua própria cor (verde, verde, verde).
Se um dia tivermos filhos, gostava que lhes ensinasses que ninguém gosta de agulhas, mas que não é preciso ser um drama sempre que precisarem de fazer análises. Aproveita e explica-lhes que, se são capazes de engolir bocados de carne e de pão, também conseguem engolir comprimidos, é uma questão de qualquer coisa que eu, em particular, ainda não descobri.
Se um dia tivermos filhos, gostava que lhes ensinasses que o desconhecido não é sempre mau e que por vezes é quando menos esperamos que mais nos divertimos e que as pessoas mais nos surpreendem pela positiva. Explica-lhes que não é preciso temer a mudança ou aquilo que os outros podem eventualmente pensar de nós, o importante é a nossa consciência e a maneira como os nossos actos reflectem os nossos valores e ideiais e nos permitem conviver em paz com nós próprios. Explica-lhes que essencial é viver e viver implica aceitar mesmo aquilo que não conseguimos compreender.
Há muitas coisas que gostava que ensinasses aos nossos filhos, se algum dia os tivermos. Mas gostava, principalmente, que lhes ensinasses essa tua maneira de ser. Gostava que os ensinasses a não ter medo de nada, incluindo a não ter medo de ter medo. 
A verdade é que o medo existe e isso não tem mal se te tivermos ao lado.


* M.
My photo
areservamental@gmail.com