O colo das Avós dos outros.


A primeira coisa em que reparou foi no cabelo, branco e irrepreensivelmente apanhado no alto da cabeça com a ajuda de ganchos corriqueiros e de um travessão bonito e delicado.
A seguir as mãos, que lhe repousavam no colo. Juntas, em jeito de aconchego, quentes e suaves como só as rugas do tempo o permitem. Mãos que contam histórias, ou não sentissem tanto a falta de outro par que o tempo, intolerante com as nossas vontades, já levou. Mesmo em silêncio são livros abertos que podemos ler, acaso o queiramos.
De perfil diria que estava a dormitar, a postura não era totalmente direita, antes vislumbrava uma leve inclinação para a frente, como se o sono cambaleasse pela tarde adentro.
A luz que entrava no quarto não era exuberante, pedido especial dos estores meio fechados. Vestida de preto, dos pés à cabeça, emanava uma serenidade reconfortante. Aliás, se pensasse um pouco nisso, talvez concluísse que a primeira coisa em que realmente reparou foi na calmaria que dali emanava. Não se falava alto e o respirar fazia-se sem dificuldade. Não havia rádios ou televisões a perturbar o silêncio. A cadeira estava estrategicamente colocada junto à janela, como numa plateia pensada para o espectáculo. O mundo lá de fora é aquele que nos vai por dentro, ou o contrário também será verdade. A cama, imaculadamente feita de branco, estava vazia, que as costas precisavam de descanso.
Um passo em frente abriu-lhe um sorriso e foi então que rasgou o silêncio com um: - “anda cá para te ver”. 
A voz talvez lhe tenha saído mais profunda do que o que pretendia e a ela fê-la pensar nos pinheiros com as suas longas raízes, imbuídos de vida e experiência. Sabia que antes de ser Avó era Mãe, e que antes de Mãe, era filha e por isso não foi com medo que avançou, antes uma espécie de orgulho por ser motivo de curiosidade de alguém assim.
- “Chamas-te Deolinda, não é?”
Quis soltar um sorriso, pelo nome castiço e pela ternura confessa. Agarrou-lhe nas mãos, suaves, e respondeu que não, que se chamava Sofia.
Então ela sorriu com os seus olhos brilhantes muito abertos, ávidos para contar histórias sentidas e esquecidas, relembradas em saudade no silêncio dos segundos serenos em que descansava o coração e disse baixinho:
- “Trata bem dele, que eu gosto muito dele”.
De todas, foi a coisa mais importante que teve para dizer.
E o coração de ambas sorriu, aquecido no tempo e no espaço, por batidas milimetricamente cronometradas ao compasso desse amor pelo mesmo, esse que tanto as fazia sorrir.

Fique descansada, Avó.
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