O amor também se lê.


Certo dia avisou-me que tinha escrito uma carta. A minha Mãe escreveu-lhe uma carta. Nunca a li, não sei o que dizia. Também nunca perguntei. Sei apenas que foi escrita com o coração nas mãos, pejada de lágrimas, a ressacar pela filha que teve por tempo demasiado insuficiente.



Como acontece com qualquer carta que se preze, não esperava resposta, ainda que ansiasse por uma. E às vezes quem espera alcança e um dia essa resposta chegou, prova de que de quando em vez acontecem coisas verdadeiramente especiais.



Quando Outubro chegou fomos a Roma. Estava sol, lembro-me disso. Atrás de cada passo um suspiro de encanto, uma espécie de obra de arte viva que para gáudio dos observadores se vai alimentando da adulação. Talvez por isso o espelho reflicta amoR.



Acordámos cedo, não havia tempo a perder, antes horários a cumprir. Vesti-me com um rigor para o qual me achava jovem demais. Saia preta abaixo do joelho, collants pretos, sapatos com decoro. O protocolo é para respeitar e a Guarda Suiça não perdoa. O nervoso latejava, tornando-se palpável e pairando pouco gracioso no ar.



Os degraus eram muitos, os corredores imensos. E depois ali estava, com um ar frágil mas imponente, sentado numa cadeira de veludo cor de vinho. A força roubada em cada passo que nos aproximava, a emoção descontrolada. Não me lembro das palavras trocadas, sei que o foram em português, num tom doce. Lembro-me de sorrir e agradecer.



E do preto que vestia se ter tornado mais leve.


A incerteza da vida é uma herança difícil de carregar e a certeza do seu fim oferece com dureza ao coração pontadas talvez demasiado agrestes para almas inquietas.
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