Paixão segundo São Mateus.*

O momento foi vivido solenemente ao ritmo das batidas do coração.
Uma espécie de recriação teatral da entrada em Jerusalém.
O povo, espalhado em famílias, crente, com os ramos no ar, homenagem sentida, uma espécie de emoção incontida que o sopro expele em soluços.
Demorou mais tempo do que o habitual – incontornável este lado incontrolável da Paixão.
Leitura apaixonada, fiel retrato com frente e verso, gasto pelo tempo e consumido pela dor. A ideia doce mas assustadora de um amor tão grande que é levado ao limite do sofrimento. Tão sentido que nem sequer faz sentido. Uma espécie de instinto bipolar, um bem tão maior que acaba por fazer mal. Ou um mal tão inenarrável que só pode esconder o bem. Nisso acreditamos, sem hesitar, ultrapassados por nós mesmos na busca dessa ideia transcendental de alguém salvar todos os outros sem se querer salvar a si. Altruísmo como sinónimo de amor. Puro e genuíno. Sem esperar nada em troca, sem medo, ainda que com um laivo de tristeza – momento escuro em que não se resiste a perguntar – porque me abandonaste? Pergunta retórica, que fica no ar, envolta nesse sentimento maior que nós, maior que o mundo. Por vezes precisamos de nos negar três vezes e daí lavar as mãos para que algo em nós quebre e se vergue.

Quando chegar o dia, depois de bater no fundo, podemos renascer.


 
 
* Bach.
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