And we're all so strong when nothing's wrong and the world is at our feet but how small we are when our love is far away and all you need is you.*


Bom ou mau. A discussão não nasceu ontem. Nem literal nem figuradamente.
Um dia houve em que, em animada conversa, ela, sempre desconfiada (ou não, talvez tenha sido «a vida» que a deixou assim), perguntou se achávamos que o Homem era, por natureza, bom ou mau.
Ainda que, e como sempre, a doutrina divirja, a maioria tendeu a acreditar na bondade como característica inata ao ser humano, admitindo, contudo, não só como possível, mas, também, como provável e real, a corrupção consciente ou inconsciente dessa imaculada natureza humana, tornando-a má e inóspita ao sabor da passividade de algumas acções ou omissões. Como em tudo, crenças misturadas com ideais, morais, experiência.
Para alguns, como Rousseau, os seres humanos são intrinsecamente bons, sendo os maus hábitos produto da vivência na sociedade corrompida que nos rodeia. O pecado parece morar ao lado, pronto para nos tentar.
Para outros, os seres humanos são moralmente neutros, plenamente capazes de escolher entre o bem e o mal, não se deixando assim tentar pelo «pecado original».
Outros há, ainda, para quem os seres humanos são intrinsecamente maus. Para Hobbes, por exemplo, vivemos numa constante guerra contra todos, partilhando ele de uma visão da vida bruta e desagradável.
No outro dia a plateia avaliava, sem contudo me julgar, se eu poderia afirmar com tamanha certeza ser uma boa pessoa. Aqui chegada – e ainda que com a humildade de lado – julgo estar convicta do que digo quando digo que tenho um bom fundo. A verdade é que me considero uma boa pessoa. Isto, ainda que se não meça, talvez se possa avaliar pelo relacionamento e postura perante a vida e os outros. A maneira como se tratam os outros, que deveria ser sempre a maneira como gostaríamos (e consideramos que deviam) tratar-nos a nós. Os actos, e aqui tanto valem acções como omissões, que nos regem os dias e pautam o sentir.
De repente, ou não, foi fácil rotular-me de pega. E, face a isto, como posso eu dizer ser detentora de um bom fundo? Onde fica a fronteira da natureza humana que distingue uma boa de uma má pessoa? E quantas coisas más tenho de fazer para passar a ser oficialmente uma má pessoa? Posso agir mal uma vez e continuar a poder considerar-me uma boa pessoa? Ou isso conspurcará para sempre a minha alma? E quando ajo mal, até onde vai a minha culpa? Funciona em cadeia e eu sou responsável por tudo o que daí advém, ou terei apenas de me preocupar em «primeiras instâncias»? Arruinar-me a mim não é castigo suficiente? Até onde e quando tenho de carregar o fardo de arruinar outrem?
Amostra, pequena, de uma série imensa de perguntas que surgem a propósito deste tema.
Por ter feito uma coisa má, errada, perdi a legitimidade de me considerar uma pessoa boa. Pelo que, aparentemente, um acto basta para irremediavelmente nos corromper. Que não, disse eu, ainda convicta. Não é o medo de arder no inferno, antes a esperança de poder salvar aquilo em que acredito. Porque acredito no bem. Acredito que querer ser melhores por vezes nos faz melhores, e que isso nos faz mais serenos, felizes. E o altruísmo ajuda. O amor, que nem sempre é egoísta. Que nunca o é, se o for.
Então lembrei-me das aulas de direito penal. O facto de uma conduta ser ilícita não significa que lhe esteja subjacente um juízo de censura, de culpa. A culpa é, aqui, um pressuposto de punibilidade autónomo. E talvez seja na culpa que está a pedra de toque.
Senão, vejamos: a imputação do resultado mau, tem de ter, na sua base, um juízo de censura da culpa, uma culpa concreta, e isto quer ela seja dolosa ou negligente. Até porque a verdade é que a própria tentativa, é, por vezes, punível.
A culpa é o fundamento e o limite da medida da pena, isto é, não é possível aplicar uma pena a quem não tenha actuado com culpa. A culpa é um juízo de desvalor atribuído à conduta de alguém. A censura vem de alguém actuar de certa maneira quando poderia ter actuado de outra. E aqui surge o livre arbítrio. As condutas do Homem são opções tomadas em face de factores internos e externos que são, de alguma maneira, ponderados com maior ou menor intensidade.
O que se exige é uma consciência da ilicitude material, no sentido de se saber que um comportamento é censurado ético e socialmente.
E, no meio de tudo isto, temos, ainda, causas de exclusão de da culpa, como, por exemplo, o estado de necessidade subjectivo.
Portanto pergunto, se assim é, agi eu com culpa? E se sim, qual é o meu grau de culpa? Ajo com dolo ou tão só negligência? Houve algum momento em que vi como possível estas consequências? Achei-as evitáveis ou antes inevitáveis? Quando foi que optei por seguir por aqui, ao invés de ir por ali? E porque é que o fiz? Quando é que, consciente ou inconscientemente decidi que agir de certa maneira valia a pena? E vale? E se não valer isso faz de mim menos má pessoa? Posso fazer uso de alguma causa de exclusão da culpa? Não. Sim. Não sei.
A verdade é que não me sinto má pessoa. Não acho que tenha mau fundo. E, no entanto, momentos há em que sinto a consciência pouco limpa e o coração pouco tranquilo. Por vezes o que se faz é feito com consciência da ilicitude, ainda que com negligência relativamente às consequências. E isso não lhe retira a culpa. Mas, a falta de dolo, talvez atenue. Digo eu. Espero eu. Quando se é apenas humano, os dias vivem-se como se podem, um atrás do outro. Uns melhor, outros menos. Por vezes acerta-se, noutras, erra-se. Não se consegue ser bom a cada segundo. Nem sempre se conseguem afastar pensamentos menos puros; sentimentos menos bonitos. Nem sempre se consegue ser quem se quer ser. E isso é um caminho que custa.
Hoje aqui, a acreditar que fazer errado algumas vezes ajuda a crescer, e isso, no fim, espero eu, fará de mim uma pessoa melhor.

Não sou má, acredita em mim.

 
 
* K's Choice - 20000 seconds.
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