Real fear. Or fear real?


Eram 9 da noite e ainda estava calor, e dei por mim ali, com ele a contar-me, num português perfeito e demasiado polite um facto assustadoramente real.

Explicou que a mãe era de Angola («estranho não é?»), e que tinha crescido em Inglaterra – facto facilmente comprovado pela irrepreensível pronúncia.

Há alguns anos perdeu a memória, disse como quem diz que andou na escola.

E o cérebro, sempre um mistério, acordou a falar português com «aquele sotaque ridículo inglês» – imitou com pronúncia afectada.
Como se vivesse numa piada fácil.

Mas isso já não ouvi muito bem.

Só reti a parte de perder a memória.
O medo toldou-me a compreensão.

Pensar que é quase como perder uma vida.
Nascer outra vez, mas já adulto, com uma longa fila de bagagem.

Emoções e memórias deitadas ao vento.

Um acordar sozinho.
Mais sozinho do que nunca.

Fiquei triste por ele – que não parecia minimamente preocupado.

E no fim, com um sorriso maroto disse-me, «é sempre um prazer».

E eu acreditei. Talvez seja mesmo, sempre como se fosse a primeira vez.

 
 
* Nono.
** Edição - Paulo Silva.
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